Gonzalo Varela: o lugar do Uruguai na trilha sonora global dos videogames

Compositor, designer de som e professor, Gonzalo Varela encontrou no áudio para videogames um espaço onde convergem muitas de suas paixões: o trabalho colaborativo, a lógica interativa, a exploração musical e a possibilidade de emocionar outras pessoas, assim como os jogos o emocionaram desde pequeno. Formado em composição e violão pela Universidade da República, obteve uma bolsa Fulbright-ANII para se especializar nos Estados Unidos. A experiência acadêmica e docente no Columbia College Chicago, referência mundial em composição para telas, marcou um ponto de inflexão em sua carreira e fortaleceu seu compromisso com a formação de novos talentos no Uruguai.

Na Gamescom Latam 2025, foi um dos protagonistas da delegação nacional coordenada pela Uruguay XXI, onde ministrou uma palestra especializada sobre composição para cenas de ação e combate. Sua presença reafirmou o posicionamento do Uruguai como fornecedor de talento criativo para a indústria global dos videogames.

• Como você vê o panorama atual da música para videogames no Uruguai? Quais são as forças e os desafios?

O setor está em crescimento. Ainda é emergente, mas cada vez mais músicos se especializam na área e conseguem colaborar com desenvolvedores e estúdios locais e internacionais.

A composição musical para jogos exige uma especialização técnica e artística avançada, não basta ser um bom compositor no sentido tradicional. Para se desenvolver profissionalmente, é altamente recomendável dominar softwares de produção musical, entender o funcionamento dos motores de jogos, conhecer ferramentas de implementação de áudio e ter uma compreensão profunda de como a música contribui para uma experiência interativa e narrativa não linear.

Também existem desafios econômicos. Alguns projetos independentes não contemplam a contratação de compositores e optam por bibliotecas de música isenta de direitos ou até por inteligência artificial. Isso dificulta o acesso a oportunidades para quem está começando. E, embora essas soluções possam ser práticas, raramente oferecem o mesmo nível de imersão, expressividade e coesão narrativa que uma trilha original.

A boa notícia é que há cada vez mais músicos dispostos a percorrer esse caminho com dedicação. O Uruguai tem um talento musical diverso e de alto nível, sustentado por uma base sólida de formação acadêmica, experiência em diferentes gêneros e abertura para tecnologias inovadoras.

• A formação acadêmica no Uruguai está alinhada com as exigências do mercado internacional? Que oportunidades poderiam ser melhor aproveitadas?

A formação musical terciária e pública no Uruguai é de altíssima qualidade, algo que pude comprovar durante meus estudos no exterior. A composição para jogos, no entanto, é uma especialização bastante específica, que em países mais desenvolvidos costuma ser abordada em nível de pós-graduação.

Embora a oferta formativa no Uruguai seja limitada em comparação a alguns países, ainda é superior à de muitos outros. E contamos com um ecossistema cultural dinâmico, em que músicos estão acostumados a colaborar com profissionais de outras disciplinas, o que amplia sua visão criativa.

Ministro cursos sobre o tema há anos na Universidade da República, na Universidad Tecnológica e de forma independente. Posso afirmar que muitos estudantes conseguem se inserir em projetos relevantes, tanto em nível nacional quanto internacional.

• Você vê oportunidades para o Uruguai exportar música para videogames no mercado global?

Sim. O trabalho remoto está consolidado, e equipes distribuídas globalmente são cada vez mais comuns. Com ferramentas como Discord, GitHub e Zoom, é totalmente possível colaborar com desenvolvedores do mundo inteiro a partir do Uruguai, sem necessidade de emigrar.

A experiência em equipes locais pequenas e independentes costuma tornar os compositores uruguaios mais versáteis, com capacidade de adaptação estética e resolução criativa de desafios técnicos. Essas qualidades são valorizadas por estúdios internacionais que buscam colaboradores com visão integral do desenvolvimento de jogos.

• Que características da música para videogames feita no Uruguai podem se destacar no cenário internacional?

O Uruguai tem uma riqueza musical inquestionável, com estilos ainda pouco explorados em jogos. Incorporá-los pode oferecer uma voz única e ajudar a diversificar o panorama sonoro global, que às vezes tende a repetir fórmulas.

Um exemplo notável na América Latina é Gustavo Santaolalla, que alcançou reconhecimento global não por copiar padrões, mas por destacar sua identidade. Sua trilha para The Last of Us integra sonoridades latino-americanas com uma assinatura pessoal que foi central para seu impacto global.

• Quais são as principais oportunidades para compositores uruguaios alcançarem o mercado internacional de videogames?

Os compositores precisam investir em formação e construir uma identidade profissional sólida. Estabelecer contato com desenvolvedores é essencial. Embora seja fácil contatá-los virtualmente, a maioria recebe mensagens constantemente. Por isso, participar de eventos internacionais e conhecer os profissionais pessoalmente costuma ser mais eficaz.

Também é fundamental publicar amostras musicais de qualidade, manter presença em redes sociais, YouTube e ter um site próprio para aumentar a visibilidade.

• Qual é o papel de eventos como a Gamescom Latam nesse processo?

Participar desses eventos pode ser transformador. Permite contato direto com desenvolvedores, intercâmbio com colegas e acesso a novas ferramentas e tendências. Também ajuda a ampliar a visão sobre os diferentes modos de trabalhar na indústria.

Além disso, são espaços valiosos para divulgar seu trabalho — seja com palestras, participações em painéis ou apresentando jogos nos quais colaborou musicalmente.